Aqui você encontra as informações mais interessantes e surpreendentes do mundo

Aqui você encontra as informações mais interessantes e surpreendentes do mundo

Curiosidades

Quem foi o Barão de Itararé, o jornalista irreverente que enfrentou presidentes usando humor

Em outubro de 1934, Apparício Torelly foi sequestrado por oficiais da Marinha após publicar um folhetim que relembrava a Revolta da Chibata, manifestação liderada por João Cândido (o Almirante Negro) que lutou contra as práticas escravagistas por militares.

Torelly foi espancado, teve a cabeça raspada e foi abandonado quase nu num terreno baldio. Em um surto de coragem – ou de falta de amor pela própria vida – agradeceu por lhe terem “poupado o gasto com o barbeiro”. Voltou à redação no mesmo dia e pendurou na porta uma placa com os dizeres: “Entre sem bater”.

O episódio ajudou a consolidar sua fama de provocador incorrigível – um cronista que transformava humilhação em piada e desobediência em manchete.

Quase um século depois, Torelly ganha novo fôlego. No dia 25 de outubro, o canal Curta! exibe o documentário “O Brasil que não houve: as aventuras do Barão de Itararé no reino de Getúlio Vargas”.

Narrado por Gregório Duvivier e dirigido por Arnaldo Branco e Renato Terra, o filme revisita a trajetória de Apparício, também conhecido como o Barão de Itararé – um dos nomes mais singulares da imprensa brasileira, que fez do humor uma forma de enfrentamento político. Confira o trailer abaixo:

A escolha do nome que o consagrou nasceu de um episódio real que nunca chegou a acontecer. Durante a Revolução de 1930, as tropas do governo e as forças revolucionárias de Getúlio Vargas preparavam-se para um confronto decisivo em Itararé, no Paraná – anunciada como a batalha “mais sangrenta da América do Sul”.

Continua após a publicidade

Antes do primeiro tiro, porém, o presidente Washington Luís foi deposto no Rio de Janeiro. Apparício, então, se autoproclamou “Barão de Itararé”, nobre de uma batalha que não existiu. Era uma ironia sobre o país das promessas que não se cumprem.

O pseudônimo resumia sua visão de mundo. Para ele, a solenidade era uma forma de fingimento. Seu humor atacava o autoritarismo e o moralismo com frases que atravessaram gerações: “De onde menos se espera, daí é que não sai nada”; “Este mundo é redondo, mas está ficando muito chato”; “Negociata é todo bom negócio para o qual não fomos convidados”.

Da infância trágica ao primeiro jornal

Fernando Apparício de Brinkerhoff Torelly nasceu em 29 de janeiro de 1895, em Rio Grande (RS), município a 317 quilômetros de Porto Alegre. O pai era comerciante. A mãe, uruguaia, morreu quando ele tinha menos de dois anos, ao se suicidar com um tiro na cabeça.

Até hoje, a razão do suicídio permanece incerta. A suspeita é que tenha relação com o temperamento violento do marido.

O menino foi criado em escolas jesuítas e logo se destacou pelo espírito debochado. No Colégio Nossa Senhora da Conceição, criou o Capim Seco, um jornal manuscrito de humor que circulava entre os colegas.

Continua após a publicidade

Desde cedo, desafiava a autoridade com trocadilhos e respostas afiadas. Quando o professor de português pediu que conjugasse um verbo qualquer no “mais-que-perfeito”, ele respondeu: “O burro vergara ao peso da carga”.

Em 1912, matriculou-se na Escola de Medicina e Farmácia de Porto Alegre. A experiência durou pouco. O aluno ficou conhecido pelas respostas espirituosas e acabou desistindo do curso. Em 1916 publicou Pontas de Cigarro, livro de poesia que já trazia um olhar cético e bem-humorado sobre a vida. Dois anos depois, lançou O Chico, seu primeiro jornal, com tiragem de oito mil exemplares.

Em 1925, mudou-se para o Rio de Janeiro, então capital federal. Procurou Irineu Marinho, que havia fundado em julho O Globo, e pediu emprego: “De varredor a diretor do jornal, qualquer trabalho serve. Até porque não vejo muita diferença.” Conseguiu uma coluna diária chamada Despreso, em que misturava humor, crítica social e observações filosóficas.

Com a morte de Irineu pouco depois, em agosto, passou para o jornal A Manhã, de Mário Rodrigues, onde criou a coluna “Amanhã Tem Mais…”. Ali consolidou o estilo que o tornaria conhecido: sátira direta, ironia política e o uso do humor como comentário social.

Cansado de restrições editoriais, fundou seu próprio jornal. Batizou-o de A Manha, paródia direta do veículo em que trabalhava. Começou a circular no dia 13 de maio de 1926 com o subtítulo “Órgão de ataques… de riso”. Propunha-se abertamente a “morder o calcanhar das autoridades”, com foco particular na classe política.

Continua após a publicidade

O periódico misturava manchetes inventadas, notícias absurdas e seções de humor político. As capas imitavam o visual dos jornais sérios, mas o conteúdo era uma caricatura da realidade.

Capa de <em>A Manha</em> número 01, de 13 de maio de 1926.Biblioteca Nacional Digital/Reprodução

Getúlio Dornelles Vargas virou “Getúlio Dor Neles Vargas” e Filinto Müller, torturador do Estado Novo, foi apelidado de “Filinto Mula”. Sobre Getúlio, inclusive, chegou a dizer certa vez: “Sabe como se chama nosso caro presidente? Gravata Preta. Adapta-se a qualquer roupa e a qualquer regime.”

Frases conhecidas também eram parodiadas. A máxima do filósofo francês Auguste Comte – “Os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mortos” – transformou-se em “Os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mais vivos”. Já o lema integralista de Plínio Salgado, “Deus, Pátria e Família”, virou “Adeus, Pátria e Família!”.

Compartilhe essa matéria via:

Continua após a publicidade

Entre os colaboradores do jornal estavam o chargista paraguaio Andrés Guevara e amigos que compartilhavam da mesma irreverência. O jornal circulou de forma irregular até o fim dos anos 1950, com suplementos como o “Almanhaque, versão humorística dos tradicionais almanaques de época.

“Barão não inventou o jornalismo humorístico, mas lhe deu profundidade e impacto nacional. A inovação dele foi transformar o humor em crítica social profunda.”, afirma Jairo Faria Mendes, autor de Barão de Itararé: O riso é resistência e professor na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), à Super.

“Ele usava apelidos, sátiras e trocadilhos para ridicularizar o poder. Esse é o humor político que desmonta hierarquias: o poderoso deixa de parecer poderoso, e o humilhado deixa de parecer pequeno. Sem teorizá-lo, o Barão dominava esse mecanismo intuitivamente”, acrescenta.

Apparício chegou a ser simpatizante do movimento socialista e filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), o que o colocaria na mira do governo Vargas. Em 1935, participou da Aliança Nacional Libertadora (ANL), movimento de esquerda logo proibido pelo então presidente.

Foi preso e levado para a Casa de Detenção, na Rua Frei Caneca. Em determinado momento, um comandante declarou: “O senhor está convidado a depor.” O Barão, com seu habitual cinismo, respondeu: “Depor o governo? Me admira muito que o senhor tenha a coragem de fazer um convite desses.”

Continua após a publicidade

Dividiu cela com Graciliano Ramos, que relataria a convivência em “Memórias do Cárcere”. Graciliano descreveu o Barão como o prisioneiro que fazia os outros rirem, mesmo nos piores dias. À noite, porém, era tomado por tremores e crises de ansiedade.

“Nos momentos mais duros, o humor era a forma que ele encontrava de suportar. [Sigmund] Freud chama isso de ‘teoria do alívio’: o humor permite liberar a tensão psíquica, reduzir o medo, economizar energia emocional. O Barão sabia fazer isso. Transformava sofrimento em leveza. E não apenas como defesa: ele também via o humor como convivência, como prazer. Gostava de estar cercado de amigos, de contar piadas curtas e repetir histórias engraçadas”, conta Mendes.

Fotografia do Barão de Itararé e Manuel Bandeira, 1966. Arquivo Nacional.
À esquerda, Manuel Bandeira; ao centro, o Barão de Itararé (1966).Wikimedia Commons/Reprodução

Libertado em 1936, voltou ao jornalismo. Deixou a barba crescer e assumiu o visual que se tornaria sua marca. Com o fim do Estado Novo, concorreu a vereador no Rio de Janeiro pelo PCB, em 1946. Em meio à escassez de água e ao consumo de leite adulterado, lançou como lema de campanha: “Mais água! Mais leite! Mas menos água no leite!”.

Eleito com 3,6 mil votos, destacou-se pelos discursos espirituosos. Quando um colega afirmou que suas falas “entravam por um ouvido e saíam pelo outro”, respondeu: “Impossível, excelência. O som não se propaga no vácuo.”

Em 1947, o Tribunal Superior Eleitoral cassou o registro do PCB. O Barão perdeu o mandato e se despediu com outra tirada célebre: “Deixo a vida pública para entrar na privada”. A Manha, por sua vez, anunciou: “Um dia é da caça… os outros da cassação”.

Por trás do humorista, havia um intelectual inquieto. Lia filosofia, ciência, política e literatura. Mantinha amizades com escritores de diferentes correntes, como Jorge Amado, José Lins do Rego, Rubem Braga e Millôr Fernandes.

Em uma entrevista em 1985, Amado declarou: “Mais do que um pseudônimo, o Barão de Itararé foi um personagem vivo e atuante, uma espécie de Dom Quixote nacional, malandro, generoso e gozador, a lutar contra as mazelas e os malfeitos”.

Segundo o autor, o “Barão era uma figura iluminada, extremamente sensível à vida”. “Ele tinha, por exemplo, uma ligação curiosa com os insetos. Um amigo, Geraldo Veloso, contava que a casa dele era cheia de baratas – ninguém podia matá-las. Dizem que, quando ele esteve preso, usava as baratas para levar bilhetes de uma cela a outra. Os ratos entregavam as mensagens aos guardas, mas as baratas eram solidárias.”

A vida pessoal de Apparício, por sua vez, foi marcada por perdas. Sua segunda mulher, Zoraide, morreu de câncer; a terceira, Juracy, de leucemia; a filha Ady, de problemas cardíacos; e, em 1965, a companheira Aída Costa ateou fogo ao próprio corpo.

Nos últimos anos, vivia só em Laranjeiras, na zona sul do Rio, cercado por livros e recortes de jornal. Morreu dormindo, em 27 de novembro de 1971, vítima de arteriosclerose cerebral e complicações do diabetes.

Seu legado ultrapassou o jornalismo. Influenciou gerações de humoristas e cronistas. Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, o considerava um mestre; Millôr Fernandes, Ziraldo e os criadores do Pasquim o reconheciam como inspiração.

Para Mendes, a figura do Barão “faz muita falta”. “Vivemos uma era de polarização e rancor, em que o humor é tomado como ofensa. As nuances desapareceram. O Barão seria certamente atacado – talvez cancelado – se vivesse hoje. O humor exige empatia e escuta, e a polarização destrói essas duas coisas. O riso dele servia como remédio, como forma de ressignificar o mundo. Precisamos disso mais do que nunca: um humor que humanize, que critique com ternura e faça pensar”, defende o autor.

 

Publicidade

O que achou dessa notícia? Deixe um comentário abaixo e/ou compartilhe em suas redes sociais. Assim conseguiremos informar mais pessoas sobre as curiosidades do mundo!

Esta notícia foi originalmente publicada em:
Fonte original

augustopjulio

Sou Augusto de Paula Júlio, idealizador do Tenis Portal, Tech Next Portal e do Curiosidades Online, tenista nas horas vagas, escritor amador e empreendedor digital. Mais informações em: https://www.augustojulio.com.