Uma casa sem espelhos: entenda a crise do IBGE
Carta ao leitor da edição 481, de novembro de 2025.
Em 2019, o estudante Pedro Lima, da Universidade Federal Fluminense (UFF), resolveu criar um grupo no WhatsApp com outros três amigos de mesmo nome. Nascia o “Pedros da UFF”.
O grupo virou meme, reuniu centenas de outros Pedros e inspirou comunidades de xarás Brasil afora. Tenho um amigo que, até hoje, troca mensagens no “Pedros da Unicamp”. “Bom dia, Pedro.” “Bom dia para você também, Pedro.”
Existem 1.624.478 Pedros no Brasil, o equivalente a 0,8% da população. É o sétimo nome mais comum no País. Impossível organizar um grupo com todos eles. Mais fácil com Abenizios, Duaras ou Jaecis, alguns dos 4,3 mil nomes usados por até 20 pessoas no Brasil. São tão únicos quanto “Unico”, sobrenome de 30 brasileiros.
Esses e outros dados estão na plataforma Nomes do Brasil, do IBGE. É a segunda versão da ferramenta, que traz um sem-fim de dados demográficos e históricos: 2,5 milhões de Marias nasceram nos anos 1960; Natália é o nome feminino mais comum com a letra N; 10,5% da população de Santos (SP) tem o sobrenome “Santos”.
A Nomes do Brasil é uma das ferramentas educativas mais fascinantes criadas por um órgão público. Pode se tornar tão popular quanto o Zé Gotinha. Nem parece que foi feita por um instituto que passa por problemas sérios.
O nonagenário IBGE, referência mundial em estatística, sofre com crises internas e cortes orçamentários. Desde 2010, o número de funcionários (que era de 7 mil), caiu pela metade. A questão se agravou em 2019, quando o Congresso limou 97% da verba para o Censo. Mais um pouco e ele seria feito num Google Forms.
Em 2020, o governo Bolsonaro postergou o levantamento por causa da Covid (muitos outros países, porém, fizeram os seus). Em 2021, outro adiamento. O Censo só rolou em 2022, por ordem do STF. O Brasil furou a tradição internacional de realizar pesquisas do tipo a cada década cheia (1990, 2000, 2010…), o que facilita comparações entre nações.
No governo Lula, os problemas persistem. Até agora, os microdados (a fatia mais detalhada de informações do Censo) não foram divulgados por completo, o que tem causado atrasos e mudanças em inúmeras pesquisas. Demógrafos, economistas e diversos outros profissionais dependem deles para formular políticas públicas eficazes em áreas como educação, saúde e segurança pública.
É como dirigir sem GPS, só com um guia de ruas desatualizado. Tratar uma fratura sem raio-X. Viver em uma casa sem espelhos. O País corre o risco de entrar em crise de identidade, sem entender por completo as mudanças da sua população.
Que a fama da Nomes do Brasil não sirva apenas para criar carrosséis engraçados no Instagram – mas também, de alguma forma, ajude a jogar luz sobre esse problema. Proteja o IBGE, gostoso demais.
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Esta é uma edição de chegadas e partidas. A Luiza Lopes, a mais recente integrante da redação, assina com maestria sua primeira reportagem de capa. Uma apuração profunda, que vale a leitura atenta. E também é a última colaboração (ao menos, por ora) do Eduardo Lima, que deixa um legado bem bacana por aqui. Eu desejaria sorte, mas sei que não precisa.
Um abraço,
Rafael Battaglia Popp
Editor-chefe
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