Sutton Hoo: mistério do balde bizantino é solucionado após 1.400 anos
O sítio arqueológico de Sutton Hoo, no condado de Suffolk, leste da Inglaterra, transformou a nossa compreensão da história anglo-saxônica. Entre 1938 e 1939, escavações revelaram um monumental sepultamento em navio, com objetos de prestígio associados a um rei do século 7 – provavelmente Raedwald, da Ânglia Oriental.
O achado inaugurou décadas de investigações no local, que hoje abriga dezenas de montes funerários, um cemitério e um local ritualístico associado à elite guerreira anglo-saxônica. Entre os objetos mais enigmáticos encontrados está um balde bizantino do século 6, decorado com cenas de caça no estilo norte-africano, incluindo guerreiros armados acompanhados de leões e cães. Uma inscrição em grego diz: “Use isto com saúde, Mestre Conde, por muitos anos felizes”, segundo o site Artnet.
Os primeiros fragmentos foram descobertos por acidente em 1986, quando um trator remexeu o solo próximo ao vilarejo de Bromeswell. O objeto passou a ser conhecido como “balde de Bromeswell”. A partir daí, o artefato se tornou um mistério arqueológico. Por que um recipiente do Império Bizantino, possivelmente fabricado em Antioquia (na atual Turquia), estava enterrado num contexto funerário anglo-saxão, na Inglaterra? Qual sua função original e por que teria sido colocado ali?
Novas escavações realizadas em 2012 trouxeram à tona fragmentos adicionais. No entanto, foi apenas em 2024, no último dia de uma escavação liderada pelo programa Time Team, em parceria com o National Trust e a FAS Heritage, que a base inteira do recipiente foi localizada – preservada em um bloco de terra compactada.
O bloco foi levado à Universidade de Bradford, onde passou por tomografia computadorizada e raio-X. Em seguida, especialistas do York Archaeological Trust iniciaram a análise meticulosa do conteúdo.
Mistério solucionado
Em maio deste ano, os arqueólogos revelaram os resultados da pesquisa. O que descobriram foi surpreendente: havia no balde restos humanos e animais cremados, além de um pente dupla-face intacto, feito de galhada de cervídeo.
Entre os ossos humanos, havia fragmentos de crânio e tornozelo. Já os animais pertenciam a uma espécie animal relativamente grande – possivelmente um cavalo, associado a sepultamentos de alto status na cultura anglo-saxônica. Alguns ossos apresentavam manchas de liga de cobre, o que sugere que estavam fora do recipiente, mas inseridos no mesmo contexto funerário.
Também foram identificadas fibras desconhecidas e resíduos vegetais, que podem ajudar a reconstituir o ambiente e a época do sepultamento. Uma das hipóteses é que os ossos tenham sido guardados originalmente em uma bolsa orgânica, hoje decomposta, colocada dentro do balde.
Para a arqueóloga Helena Hamerow, da Universidade de Oxford, que não participou do estudo, trata-se de “um tipo especial de vaso de cremação”. Ao jornal americano Washington Post, ela afirmou que os restos provavelmente pertencem a “um indivíduo muito, muito especial, de uma família importante”, uma vez que cremados eram normalmente depositados em vasos de cerâmica ou tigelas de bronze ao invés de recipientes ornamentados como este.
Acredita-se que o balde tenha vindo do Império Bizantino, embora não se saiba como chegou à Inglaterra. Como o sítio data do século 7, o objeto foi fabricado cerca de 100 anos antes de ter sido enterrado.
A presença de um artefato bizantino de luxo num enterro anglo-saxão sugere conexões entre elites da Inglaterra e o Mediterrâneo oriental. Segundo Laura Howarth, gerente de arqueologia e engajamento do sítio arqueológico Sutton Hoo, o item pode ter sido um presente diplomático, objeto comercial ou espólio trazido por guerreiros saxões que serviram ao exército bizantino.
“Achamos que o balde teve uma vida antes do enterro”, disse ela à CNN. “Não sabemos ao certo como ele veio parar nesse canto de Suffolk. Pode ter sido uma antiguidade à época, um presente ou uma lembrança.”
A análise revelou que sua base foi moldada por martelamento a frio, técnica característica da metalurgia bizantina. Não há vestígios da tampa. Embora o sexo do indivíduo cremado ainda não tenha sido determinado, o pente preservado pode conter DNA antigo, o que pode viabilizar uma futura identificação.
Para Angus Wainwright, arqueólogo do National Trust, a descoberta resolve um dos grandes enigmas do sítio. “Já sabíamos que esse balde seria uma posse rara e valiosa na época anglo-saxônica, mas sempre foi um mistério por que ele foi enterrado. Agora sabemos que foi usado para conter os restos de uma pessoa importante da comunidade. Tenho esperança de que análises adicionais revelem mais sobre esse enterro tão especial”, afirmou em comunicado.
Já Helen Geake, especialista em cultura anglo-saxônica do Time Team, descreveu a descoberta como “uma mistura impressionante de mundos”. “É o que melhor representa o estranho de Sutton Hoo – há enterros em navios, enterros com cavalos, túmulos em montes e agora enterros com balde de banho. Quem sabe o que mais ainda pode estar escondido lá?”, destacou em nota.
O projeto que levou à descoberta faz parte de uma iniciativa de dois anos dedicada a investigar as origens do cemitério anglo-saxão de Sutton Hoo. Já foram identificadas 13 cremações e nove sepultamentos anteriores ao famoso enterro do navio. É possível que os indivíduos ali enterrados fossem ancestrais das figuras sepultadas nos montes reais.
O fragmento principal do recipiente está em exibição em Sutton Hoo, emprestado pela Annie Tranmer Charitable Trust. A base e os demais achados seguem em análise laboratorial. O andamento das escavações pode ser acompanhado na série documental The Sutton Hoo Dig, disponível no YouTube.
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