Por que o Rio Grande do Sul é um dos únicos estados do Brasil sem atuação do Comando Vermelho?
Criado nas prisões do Rio de Janeiro no fim da década de 1970, o Comando Vermelho (CV) se tornou uma das organizações criminosas mais poderosas do país. Hoje, segundo a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), o grupo está presente em 24 estados brasileiros, atuando dentro e fora dos presídios. Apenas três unidades da federação ainda estão fora de sua influência direta: Rio Grande do Sul, São Paulo e Distrito Federal.
A ausência do CV no território gaúcho chama atenção, especialmente diante da força que o grupo mantém em outras regiões. Especialistas apontam que isso ocorre por uma combinação de fatores históricos, culturais e estratégicos, que moldaram o chamado “ecossistema criminal próprio” do Rio Grande do Sul.
O ecossistema criminal gaúcho
De acordo com o professor Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, da Escola de Direito da PUCRS e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o estado já tinha suas próprias facções consolidadas antes da expansão nacional do Comando Vermelho.
“Esses grupos se organizaram antes da expansão nacional do Comando Vermelho e acabaram ocupando o espaço de poder criminal de forma autônoma”, explica Azevedo.
Durante as décadas de 1990 e 2000, o Rio Grande do Sul viu o fortalecimento de organizações locais que controlavam comunidades e presídios, especialmente o Presídio Central de Porto Alegre — considerado, à época, um dos mais problemáticos do país. Com o passar dos anos, essas facções estruturaram suas próprias redes de poder, o que tornou desnecessária e até indesejável a entrada de grupos externos.
O juiz Sidinei Brzuska, que atuou por mais de vinte anos na Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, confirma esse cenário e acrescenta que as facções locais ampliaram sua atuação para o interior do estado.
“Praticamente todas as prisões mais relevantes são dominadas. Pararam de disputar pontos de tráfico aqui [na capital] e foram dominar cidades que ainda não tinham crime organizado, ampliaram a base territorial. Não ficou vácuo de poder para gente de fora vir aqui ocupar”, avalia.
O resultado foi um cenário de criminalidade autossuficiente, com múltiplos grupos disputando e equilibrando forças entre si. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Rio Grande do Sul chegou a reunir ao menos dez facções com atuação ativa — o maior número já registrado em uma unidade federativa brasileira.
“A multiplicidade de grupos locais cria um campo competitivo que torna difícil a hegemonia de uma organização nacional. Cada facção ocupa nichos específicos — bairros, presídios, municípios — e constrói redes próprias de proteção e financiamento”, complementa Azevedo.
O jornalista e documentarista Renato Dornelles, autor do filme Central – O poder das facções no maior presídio do Brasil e do livro Falange Gaúcha, acrescenta que a identidade cultural também pesa nesse equilíbrio.
“A dificuldade do CV em entrar no sistema penitenciário gaúcho tem muito disso. É uma espécie de pacto informal das facções daqui, para nenhuma ceder espaço para facção de fora. Também é uma questão cultural”, afirma.
Brzuska concorda: “Nós somos um estado de forte tradição cultural, que se consolidou ao longo de séculos, e isso se reflete na organização do crime também”.
Negócios, não subordinação
Mesmo sem presença física ou comando direto, o Comando Vermelho mantém relações comerciais com grupos gaúchos. Segundo Alberto Kopittke, diretor do Instituto Cidade Segura, há alianças pontuais, especialmente no fornecimento de drogas.
“Embora não haja bandeira fincada do Comando Vermelho no Rio Grande do Sul, isso não impede alianças com as organizações locais. Prova disso foi a aceleração da guerra em 2016 e 2017, quando houve o que chamo de ‘guerra civil nacional’, entre o CV e o PCC. A violência disparou também aqui no estado”, explica.
Rodrigo Azevedo reforça que essas conexões são estritamente comerciais, sem qualquer vínculo de subordinação. “Há interações pontuais em rotas de distribuição ou compras de grandes cargas, mas sem que isso se converta em expansão territorial”, observa.
Ele destaca que a diferença está na natureza das relações: “Há diálogo e negócio, mas não incorporação simbólica nem comando centralizado, o que distingue o RS de estados em que o CV ou o PCC se tornaram ‘matrizes’ das dinâmicas locais”.
A interiorização do crime
Enquanto o Comando Vermelho busca ampliar sua presença nacional, as facções gaúchas seguem um caminho diferente: em vez de se expandirem para outros estados, optam por se interiorizar. Essa estratégia foca em cidades médias e pequenas, especialmente nas proximidades da Região Metropolitana de Porto Alegre.
De acordo com Azevedo, a lógica é reduzir a exposição e aproveitar o crescimento do consumo local e as rotas que ligam o Rio Grande do Sul a outras regiões. “É uma forma de controle capilar e territorializada, mais voltada à sustentabilidade dos negócios ilícitos do que à conquista simbólica de ‘bandeiras’ nacionais”, diz.
Renato Dornelles lembra que já houve tentativas de facções gaúchas se expandirem para Santa Catarina, mas a disputa territorial se mostrou mais difícil após a chegada do Primeiro Comando da Capital (PCC) e o fortalecimento de grupos locais catarinenses.
A Secretaria da Segurança Pública do Rio Grande do Sul reforça que o estado possui características únicas, tanto sociais quanto geográficas, que ajudam a conter a infiltração de facções nacionais.
Nota oficial da Secretaria da Segurança Pública do RS
“O Rio Grande do Sul é um estado notabilizado por características socioculturais muito peculiares. Igualmente, está distante do centro do país e de suas principais rotas logísticas de bens e serviços que, por óbvio, são utilizadas também por narcotraficantes.
Esses dois fatores socioculturais e geopolíticos se somam à ação vigilante e contundente dos órgãos de segurança pública gaúchos para sinalizar as prováveis causas para a ausência de organizações criminosas como o CV e o PCC em nosso estado.
Ainda assim, é importante sinalizar que a busca de uma inferência causal para a não ocorrência de um dado fenômeno é tarefa especialmente difícil e recomenda a permanente apreciação do cenário posto de modo que possamos manter o RS na vanguarda da segurança pública brasileira.”
A explicação para a ausência do Comando Vermelho no Rio Grande do Sul, portanto, não está em um único fator, mas em uma combinação complexa de história, estrutura criminal própria, identidade cultural e posição geográfica. O estado segue sendo um ponto fora da curva no mapa do crime organizado brasileiro — um território onde o poder, ainda que fragmentado, permanece essencialmente local.
Esse Por que o Rio Grande do Sul é um dos únicos estados do Brasil sem atuação do Comando Vermelho? foi publicado primeiro no Misterios do Mundo. Cópias não são autorizadas.
O que achou dessa notícia? Deixe um comentário abaixo e/ou compartilhe em suas redes sociais. Assim conseguiremos informar mais pessoas sobre as curiosidades do mundo!
Esta notícia foi originalmente publicada em:
Fonte original

