Pela primeira vez, médicos transplantam rim com tipo sanguíneo modificado
Em 2024, mais de 6 mil brasileiros receberam transplantes de rins. O país tem um dos maiores sistemas públicos de transplantes do mundo, mas 42 mil ainda estão na fila de espera.
Agora, cientistas realizaram pela primeira vez um experimento que pode um dia ajudar a reduzir o tempo de espera para pacientes que precisam de transplante. Os pesquisadores usaram enzimas para converter o tipo sanguíneo de um rim doado e, em seguida, transplantaram o órgão para um paciente com morte cerebral.
O processo ainda precisa ser refinado: o órgão funcionou bem de início, mas, após dois dias, começou a ser rejeitado pelo corpo do receptor.
Quando viu os dados pela primeira vez, o pesquisador Jayachandran Kizhakkedathu, coautor do estudo, virou a noite para, ao amanhecer, liga para o colega e também coautor, Stephen Withers. Os dois pesquisam a tecnologia há décadas. “Fiquei muito emocionado. Foi um momento que parecia muito um sonho”, ele contou, em comunicado. Os resultados foram publicados na revista científica Nature Biomedical Engineering.
A necessidade de compatibilidade entre os tipos sanguíneos é um dos obstáculos em transfusões de sangue e transplantes. Vamos revisar a matéria da escola: existem quatro grupos sanguíneos principais: A, B, O e AB.
Algumas células sanguíneas também têm um antígeno relacionado a uma proteína chamada fator Rh, enquanto outras não. Como isso, formam oito categorias: A+ (fator Rh positivo), A- (fator Rh negativo), B+, B-, O+, O-, AB+ e AB-.
Os antígenos do tipo A são incompatíveis com antígenos do tipo B: quando misturados, o corpo receptor ataca o antígeno oposto como se fosse um invasor, e rejeita o órgão.
Entretanto, o grupo O é único: ele não possui antígenos A e B. Isso significa que indivíduos com sangue do grupo O podem doar para pacientes com sangue dos grupos A, B e AB, desde que outros antígenos, incluindo o fator Rh, não entrem em conflito.
Normalmente, é preciso que doador e receptor tenham o mesmo tipo sanguíneo para que o transplante de órgão seja bem-sucedido. Existe uma solução alternativa para esse problema: nos dias que antecedem o transplante, os receptores recebem tratamentos intensivos para suprimir o sistema imunológico e esgotar seus anticorpos, na esperança de que o corpo não ataque o novo órgão e as células que ele produz.
Isso só funciona se o paciente receber um órgão de um doador vivo, não de um doador falecido. Órgãos de doadores falecidos devem ser transplantados imediatamente, e não há tempo suficiente para o receptor se submeter aos tratamentos necessários do sistema imunológico antes da cirurgia.
A conversão do tipo sanguíneo do órgão poderia resolver isso, e vem sendo estudada há alguns anos. Outras pesquisas já haviam descrito o mecanismo de remoção do antígeno A, e outras já haviam testado isso em órgãos isolados.
“É como remover a tinta vermelha de um carro e revelar a base neutra”, disse Withers, no mesmo comunicado. “Depois disso, o sistema imunológico não vê mais o órgão como estranho.”
Agora foi a primeira vez que o transplante foi testado em um humano – um homem de 68 anos com morte cerebral em Chongqing, na China, cuja família autorizou o experimento. O paciente não recebeu terapia com anticorpos – protocolo padrão para transplantes em pacientes vivos para ajudar a prevenir as chamadas rejeições hiperagudas – porque os pesquisadores queriam ver como o corpo reagiria naturalmente.
O principal problema é que o processo não remove os antígenos permanentemente. A esperança era que o órgão mantivesse o novo tipo sanguíneo por tempo suficiente para impedir a rejeição hiperaguda – o que não aconteceu. No terceiro dia após o transplante, o rim voltou a produzir antígenos A novamente, desencadeando a resposta imunológica do corpo.
Mesmo assim, os resultados são otimistas: em outras circunstâncias, o protocolo de supressão de anticorpos poderia ser aplicado para minimizar as reações.
A ideia de um rim que funcione como doador universal pode revolucionar a fila de transplantes – especialmente para os pacientes com sangue tipo O, que só podem receber rins do mesmo tipo. Como os órgãos de tipo O podem ser doados para todos os outros tipos sanguíneos, eles são mais escassos.
“É isso que acontece quando anos de ciência básica finalmente se conectam ao atendimento ao paciente”, disse Withers. “Ver nossas descobertas se aproximarem do impacto no mundo real é o que nos mantém progredindo.”
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