O bug na mentalidade que impede o Brasil de exportar digitalmente
O Brasil exporta soja, minério de ferro, aviões, música e futebol. Exporta criatividade, inovação e talento. Porém, no universo digital, quando o assunto é vender diretamente para o consumidor global via e-commerce, nossa relevância desaparece.
O brasileiro compra do mundo inteiro com facilidade. Por que então o mundo inteiro não compra com a mesma facilidade do Brasil?
A resposta não está na qualidade dos produtos, muito menos na capacidade empreendedora. O problema é mais sutil e profundo. Está em algo mais difícil de mudar: a nossa mentalidade de negócio.
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E mentalidade, aqui, não é uma metáfora motivacional. É um design organizacional. É decidir se seu time de tecnologia vai ser suporte ou motor de crescimento. Se você vai esperar um projeto de exportação ser aprovado no orçamento do ano que vem — ou lançar um piloto global com um único SKU amanhã.
Exportar digitalmente ainda é um pesadelo logístico
Pense em Ana, uma artesã de joias em prata de Pirenópolis. Seus produtos fazem sucesso no Instagram e clientes na Alemanha e em Portugal imploram por suas peças. Contudo, cada tentativa de venda internacional se transforma em um labirinto de formulários, taxas flutuantes e um frete que custa o dobro do produto.
Ana desiste. O mundo perde. O Brasil perde. E o algoritmo global aprende a ignorar o que vem daqui.
O caso dela é o retrato do caminho que um seller brasileiro precisa percorrer para exportar um produto direto ao consumidor final internacional:
- Precisa decifrar sozinho um sistema tributário complexo e antiquado.
- Paga caro por serviços logísticos lentos, pouco integrados e sem previsibilidade de prazos.
- Enfrenta taxas cambiais desvantajosas e burocracia bancária exagerada.
- Não possui acesso facilitado a ferramentas digitais integradas aos grandes marketplaces globais.
No fim das contas, é mais simples para um consumidor no México, na Argentina ou até na Colômbia comprar da Ásia do que do Brasil. Não porque os asiáticos têm produtos melhores, mas porque o sistema deles funciona melhor. Ponto.
O que os asiáticos fazem que nós não fazemos?
A comparação é chocante. Vamos olhar para a China como exemplo concreto: Um seller na província de Guangdong já nasce digital. Antes mesmo de abrir sua loja, ele já está conectado a:
- Uma rede global de fulfillment com preços altamente competitivos.
- Ferramentas digitais gratuitas para análise de demanda por país.
- Integração plug-and-play com marketplaces e redes sociais globais.
- Apoio governamental simplificado com incentivos reais, sem burocracia.
Tudo isso com menos fricção do que abrir uma MEI no Brasil.
Aqui está a diferença real: eles começam pensando globalmente desde o primeiro dia. Nós ainda estamos presos na visão local, burocrática e reativa.
O Brasil pensa como indústria, não como plataforma
Nosso modelo de exportação digital segue uma mentalidade industrial e burocrática. Queremos exportar muito, de uma só vez, com grandes margens. Só que o mundo mudou. Agora é preciso testar rápido, errar barato e escalar global. A lógica atual é diferente:
- Não é sobre fazer contêiner, é sobre fazer checkout.
- Não é sobre feiras internacionais anuais, é sobre anúncios segmentados online todos os dias.
- Não é sobre esperar grandes pedidos por e-mail, é sobre vender diretamente para o consumidor final em plataformas globais.
Em resumo, exportação digital não pode ser um departamento isolado da empresa. Ela precisa estar na essência da mentalidade de negócios.
Dados claros, oportunidades desperdiçadas
Em 2023, segundo dados da ABComm, mais de 50% dos consumidores brasileiros compraram pelo menos uma vez de plataformas internacionais. O inverso, porém, é praticamente irrelevante: menos de 3% das pequenas e médias empresas brasileiras vendem diretamente para clientes internacionais.
Enquanto países como Vietnã, México e Turquia já têm marketplaces locais que atuam globalmente, o Brasil ainda espera por políticas públicas robustas e iniciativas privadas mais ousadas.
Isso significa um desperdício gigantesco: temos o produto certo, no lugar certo, mas o entregamos da forma errada.
O tempo não está do nosso lado
A velocidade é outro fator crucial. Em mercados internacionais digitais, o tempo entre a ideia e o MVP não se mede mais em meses, mas em semanas ou dias.
Players asiáticos levam produtos do protótipo à venda global em menos de duas semanas. Aqui, empresas brasileiras ainda levam meses apenas para obter licenças básicas.
Essa lentidão mata o empreendedorismo digital, destrói margem e afasta consumidores internacionais.
Então, o que falta ao Brasil?
Não falta produto. Não falta empreendedor. Não falta criatividade — e definitivamente não falta vontade de vencer.
O que falta é destravar o potencial exportador digital do país, enfrentando barreiras que vão além da intenção de vender para fora.
Um dos maiores obstáculos é, sem dúvida, a complexidade do sistema tributário. Para quem tenta começar ou escalar no crossborder, a jornada é uma corrida de obstáculos: regras intrincadas, regimes que mudam o tempo todo e um jogo que parece feito para desanimar. Simplificar e dar transparência à tributação da exportação digital não é um luxo — é condição básica para competir.
Além disso, nossa infraestrutura logística ainda joga contra a agilidade. Custos altos, prazos imprevisíveis e processos manuais dificultam a vida de quem quer escalar para o mundo. Modernizar o e-commerce internacional exige integrar tecnologias, automatizar documentações e descomplicar o desembaraço aduaneiro. É isso que torna um produto brasileiro competitivo na prateleira global.
Outro ponto crítico é a falta de ferramentas acessíveis para o lojista nacional operar globalmente. Falta tecnologia que traduza, que converta moeda, que processe pagamento, que faça marketing fora do Brasil. Ferramentas que, em outros países, já são nativas.
O vendedor brasileiro precisa de um ecossistema digital que jogue a favor. Que permita competir em pé de igualdade.
No fim, o que falta não é esforço individual. É uma abordagem sistêmica e facilitadora: menos fricção, mais suporte. Menos papelada, mais plataforma.
A hora é agora
A próxima revolução digital não está vindo, ela já chegou. O mundo já virou plataforma. A pergunta agora é se o Brasil vai assistir da arquibancada, ou vai entrar em campo para liderar.
Precisamos decidir agora se vamos continuar sendo o país que imprime nota fiscal em triplicata, ou se vamos ser o país que já nasce digital, escalando vendas diretamente para o consumidor global com agilidade e eficiência.
O futuro do Brasil como exportador digital está nas mãos de quem tiver coragem de testar, ajustar e escalar — mesmo com as travas de sempre.
E se você chegou até aqui, é porque também acredita nisso.
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