Lepra se espalhou pelas Américas bem antes da chegada dos europeus
Quem já passou por alguma igreja cristã no Brasil provavelmente já ouviu falar de lepra. A infecção crônica é antiga e aparece em várias histórias da Bíblia, acompanhada do estigma de doença incurável (a não ser que você encontre algum profeta ou messias pelo caminho).
Por causa desse preconceito embutido, hoje em dia os profissionais de saúde nem usam mais o termo “lepra”. A infecção é conhecida como hanseníase, homenagem ao médico norueguês Gerhard Hansen, que descobriu sua causa.
Os relatos mais antigos da hanseníase tem quase 5000 anos, e a doença causada pelas bactérias Mycobacterium leprae ou Mycobacterium lepromatosis provavelmente surgiu na África ou na Ásia, posteriormente se espalhando para a Europa a partir do Oriente Médio.
Por causa desse histórico, a comunidade científica sempre imaginou que a doença de Hansen viajou para as Américas nos navios dos colonizadores espanhóis e portugueses, como tantas outras bactérias. Mas não foi isso que aconteceu.
O biólogo argentino Nicolás Rascovan descobriu, em 2017, evidências de hanseníase no DNA de pessoas que viveram e morreram onde hoje é o Canadá há cerca de 1000 anos, séculos antes de qualquer colonizador europeu pisar no continente.
Depois de analisar quase 800 amostras de material genético (como o dente da foto desta matéria) com uma equipe internacional de 40 cientistas, os pesquisadores chegaram à conclusão de que as bactérias responsáveis pela hanseníase já circulavam pelo continente americano antes do contato com a Europa. A descoberta foi publicada na Science.
Duas bactérias, uma doença
Em 1873, Gerhard Hansen descobriu a Mycobacterium leprae, microrganismo que pode causar a hanseníase. Foi a primeira bactéria identificada como causa de uma doença entre seres humanos. A descoberta foi revolucionária, e abriu o caminho para desenvolver algo que até então era impensável para uma condição tão estigmatizada como a lepra: uma cura.
Recentemente, a comunidade científica descobriu que outra bactéria também pode causar a hanseníase. A Mycobacterium lepromatosis foi identificada em 2008 como uma espécie diferente daquela descrita por Hansen, mas responsável pela mesma doença.
A descoberta da hanseníase nas Américas pré-colombianas se explica não com uma teoria da conspiração sobre navegadores que chegaram séculos antes dos europeus no continente, mas sim com o reconhecimento dessas duas linhagens de bactérias diferentes que causam a mesma doença.
Ossos examinados em parceria com os povos originários de países como México, Estados Unidos, Brasil, Paraguai e Guiana Francesa mostraram que a bactéria presente nas Américas era a Mycobacterium lepromatosis, diferente da linhagem mais conhecida descoberta por Hansen.
A maioria dos casos positivos para hanseníase do estudo foi detectada entre as amostras da América do Norte, o que mostra que o patógeno era mais comum nessa região.
Mesmo assim, eles encontraram indivíduos afetados do Canadá à Argentina. Ainda não dá para saber se a doença foi transmitida por vetores animais ou entre humanos, o que sugeriria que havia redes de comunicação extensas na América pré-Cristóvão Colombo.
A descoberta não tira todo o crédito dos colonizadores europeus. Quando vieram para as Américas, eles também trouxeram hanseníase – mas do outro tipo, causada pela M. leprae. Hoje em dia, é essa variedade importada que causa a maioria dos casos de doença de Hansen no continente americano.
Sim, hoje em dia: apesar dos relatos antigos, a hanseníase não ficou no passado (só seu nome mais popular). A infecção ataca a pele e os nervos e, sem tratamento, pode levar a feridas graves.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), foram mais de 180 mil casos em 2023. Quase 25 mil desses aconteceram nas Américas, e 90% deles foram notificados aqui no Brasil.
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