Geopolítica dos chips: como a Xiaomi pode ajudar a China a se emancipar dos EUA
O lançamento do chip XRING O1 pela Xiaomi vai muito além de uma simples evolução técnica; ele reforça a movimentação da China para reduzir sua dependência de tecnologias ocidentais — especialmente dos Estados Unidos — no setor estratégico de semicondutores.
Em um mundo cada vez mais digital, o domínio sobre chips não é apenas uma questão econômica, mas geopolítica.
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Essa iniciativa da Xiaomi se insere em um contexto maior, onde disputas comerciais, limitações de acesso a tecnologias críticas e estratégias nacionais moldam a cadeia global de produção. O XRING O1, nesse cenário, simboliza um passo relevante rumo à autonomia chinesa na indústria de chips.
O processador foi anunciado em maio deste ano, e testes internos mostram que ele seria capaz de, mesmo em sua primeira geração, oferecer performance próxima de chips rivais feitos por gigantes como a Qualcomm e a MediaTek.
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Isso representa não só uma potencial vitória técnica para a Xiaomi, mas também um sinal de que empresas chinesas estão prontas para disputar protagonismo em uma das frentes mais sensíveis da rivalidade com os EUA.
Xiaomi e as lógicas de produção
De acordo com Reinaldo Sakis, Diretor de Pesquisa e Consultoria na agência de análise de mercado IDC, essa liberdade é um processo buscado pelas empresas, mas se mostra bastante cara:
“Nessa onda global de questionamento da cadeia de suprimentos, sair da dependência se mostra como principal motivador. Mas desenvolver um chip custa bilhões de dólares, e empresas como a Qualcomm têm a vantagem da especialização”.
No entanto, essas motivações das chinesas se mostram cada vez mais evidentes após o surgimento do contexto de embates comerciais e políticos recentes:
“Já começando lá atrás com as sanções dos Estados Unidos à Huawei, e com conflitos acirrados, as empresas podem pensar: ‘se eu não tiver um chip chinês, de onde virá?’”

Mas, a própria instabilidade política se configura como um fator de incerteza para o estabelecimento de uma infraestrutura própria, como reforça Sakis.
Ele cita o exemplo da Intel, que recebeu incentivos de bilhões do governo Biden por meio do CHIPS Act — um programa de subsídios para a construção de fábricas, já criticados por Trump.
Por outro lado, o contexto chinês apresenta condições diferentes:
“A gente sabe que o governo local tem uma maior interferência sobre as empresas. Se tem uma estruturação, é possível usar base do sistema operacional de um, chip de outro, e assim vai. Se ocorre uma ruptura, há como abastecer parceiros comerciais, sem se preocupar com medidas dos Estados Unidos. Sob uma lógica de mercado, faz sentido.”
Sakis ainda destaca que a conjuntura permite à Xiaomi aumentar seu próprio ecossistema.
A companhia já é conhecida por vender produtos de amplos segmentos além dos celulares, o que também inclui itens domésticos como geladeiras, lâmpadas, ar-condicionado e mais.
Produtos de tecnologias mais avançadas, que dependem dos semicondutores de alta complexidade, também são foco da empresa. “Se fala muito de carro autônomo, há vários usos para essa plataforma”, aponta Sakis.
As bases da economia chinesa
Outros aspectos da economia da China também se mostram favoráveis para que o país possa se aproveitar de eventuais bloqueios promovidos pelos EUA. É o que destaca o Diego Pautasso, doutor em Ciência Política:
“A China é o país que forma mais pessoas das áreas STEM [sigla referente a Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática], com várias das maiores universidades do mundo. Era óbvio que [o bloqueio dos EUA] não ia dar certo.”
Ele também ressaltou a existência de planos como o chamado Made in China (MIC), de 2015, que apontou as principais diretrizes relacionadas ao desenvolvimento tecnológico, inclusive na indústria de semicondutores.

Antes mesmo das fases mais recentes da guerra comercial, o planejamento já previa foco na expansão de áreas como a robótica e automação, tecnologia da informação e outras.
No entanto, o MIC também traz alguns pontos considerados polêmicos, como a restrição da presença de empresas estrangeiras, que precisam se adaptar a normas consideradas rígidas.
De qualquer forma, a planificação nos setores essenciais se mostra como um fator primordial para os objetivos, segundo Pautasso:
“Enquanto nos Estados Unidos e aliados, os interesses corporativos imediatos mandam, a China se baseia em interesses políticos e setoriais de longo prazo. A política de inteligência artificial, por exemplo, já vem de 2017”.
A falta de continuidade nas iniciativas é um problema que também atinge o Brasil, segundo o cientista político. Para ele, são importantes iniciativas como o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, além de acordos de transferência de tecnologia.
Em relação aos potenciais impactos futuros da conjuntura comercial e econômica atual, Pautasso é categórico: “Os EUA perdem seu principal mercado comprador de chips, e aceleram o desenvolvimento de semicondutores da China”, conclui ele.
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