Fóssil de “dragão marinho” de 180 milhões de anos revela adaptação para caça no fundo do mar
Um fóssil excepcional de um ictiossauro gigante – um réptil pré-histórico apelidado popularmente de “dragão marinho” – revelou uma adaptação nunca antes vista em criaturas aquáticas: nadadeiras que abafavam o som dos movimentos, permitindo caçadas furtivas em ambientes de baixa luminosidade. A descoberta, apresentada nesta terça-feira (16) na revista Nature, revela mais detalhes sobre o comportamento e a evolução desses predadores pré-históricos.
O fóssil, datado entre 183 milhões e 181 milhões de anos, pertence a um Temnodontosaurus, um tipo de ictiossauro com mais de 10 metros de comprimento e olhos do tamanho de bolas de futebol – os maiores já registrados em qualquer vertebrado conhecido. Esses olhões já indicavam uma possível adaptação à caça noturna ou em águas profundas (afinal, aproveitam melhor o pouco de luz do ambiente). Agora, as nadadeiras trazem mais uma pista.
A peça-chave do novo estudo é uma nadadeira dianteira de um metro de comprimento, encontrada por acaso em Dotternhausen, no sul da Alemanha, durante obras rodoviárias. O colecionador Georg Göltz, responsável pelo achado, levou o fóssil ao paleontólogo Sven Sachs, do Museu de História Natural de Bielefeld, que logo percebeu a raridade do exemplar. A nadadeira preservava não só os ossos, mas também tecidos moles fossilizados – algo muito raro, especialmente em fósseis de animais de grande porte.
“A primeira vez que vi o espécime, soube que era algo único. Já examinei milhares de ictiossauros e nunca vi nada parecido”, afirmou em comunicado o paleontólogo Dean Lomax, da Universidade de Manchester, que há seis anos estuda o fóssil. “Essa descoberta vai revolucionar a forma como analisamos e reconstruímos ictiossauros – e talvez também outros répteis marinhos antigos –, especialmente no que diz respeito às estruturas de tecido mole em animais pré-históricos.”
O estudo foi liderado por Johan Lindgren, da Universidade de Lund, na Suécia, referência no estudo de tecidos moles fossilizados. Segundo ele, o formato da nadadeira – semelhante a uma asa, sem ossos na extremidade e com bordas serrilhadas – revela uma adaptação evolutiva sem precedentes.
“Essas características indicam que esse animal massivo desenvolveu mecanismos para minimizar a produção de som durante o nado. Consequentemente, esse ictiossauro devia se mover quase silenciosamente pela água – como as corujas, cujas penas também têm padrão em zigue-zague, permitindo um voo silencioso durante a caça noturna. Nunca vimos adaptações evolutivas tão sofisticadas em um animal marinho”, relatou.
As bordas da nadadeira apresentavam ondulações reforçadas por estruturas cartilaginosas finas e alongadas, nomeadas pela equipe como condrodermos. Isto nunca foi documentado em nenhum animal, vivo ou extinto. A estrutura inédita lembra os osteodermos, depósitos ósseos presentes em muitos répteis e anfíbios, mas aqui, em vez de ossos, tratava-se de cartilagem mineralizada.
Para entender a função dessa anatomia incomum, a equipe realizou simulações computacionais baseadas em velocidades estimadas de nado para ictiossauros. Como o fóssil estava achatado, usaram como referência a largura da nadadeira de uma baleia-anã moderna – espécie que também tem nadadeiras alongadas.
O modelo indicou que as ondulações poderiam modificar o fluxo de água e abafar o som do movimento, funcionando como uma espécie de “cancelamento de ruído natural”. A ideia, segundo os pesquisadores, é que o animal pudesse se mover o mínimo possível e em silêncio para emboscar suas presas – uma estratégia também observada em tubarões atuais. “O fato de podermos reconstruir as capacidades furtivas de um animal extinto há tanto tempo é algo notável”, disse Lindgren.
Além do impacto paleontológico, os cientistas sugerem que o estudo pode ter aplicações práticas. “Como o ruído gerado por humanos – como transporte marítimo, sonares militares, prospecção sísmica e parques eólicos offshore – impacta negativamente a vida marinha atual, nossos achados podem inspirar soluções para reduzir os efeitos biológicos adversos da poluição sonora no oceano moderno”, completou o líder da pesquisa.
Lene Liebe Delsett, paleontóloga do Centro Norueguês de Paleontologia, que não participou do estudo, destacou o valor do achado. “Esse fóssil não é apenas empolgante, mas nos oferece uma nova forma de pensar sobre adaptações sensoriais em animais extintos. Mostra também como a preservação de tecidos moles pode ampliar nosso entendimento sobre essas criaturas antigas”, disse ao site Science News.
Mais de dois séculos depois da descoberta do primeiro ictiossauro pela paleontóloga inglesa Mary Anning – que, curiosamente, também era um do tipo Temnodontosaurus –, o novo achado reforça o valor de fósseis esquecidos ou acidentais. “De certo modo, é como se fechássemos um ciclo iniciado por Mary Anning, mostrando que ainda estamos descobrindo fósseis surpreendentes que se conectam ao trabalho dela. Embora eu possa estar um pouco enviesado, considero essa uma das maiores descobertas fósseis de todos os tempos”, concluiu Lomax.
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