Crítica: 2ª temporada de Sandman simplifica trama com ajuda de Shakespeare
Sandman é espetacular, embora Neil Gaiman tenha se revelado um cretino e toda a saga seja bastante complexa. A demora de mais de 30 anos para ser adaptado se dá justamente porque o mosaico de linguagens, referências e o mapa narrativo labiríntico que torna a leitura tão brilhante quanto desgastante. E Estação das Brumas é um ponto fundamental para o emaranhado de eventos que nos levam até a conclusão da trajetória de Morpheus.
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Estação das Brumas é a metade da história e o começo do fim. É o marco que alinha todas as peças responsáveis pelo fim trágico, épico e justo de uma entidade poderosa e fria que se torna vulnerável e quase humana em uma espiral de redenção, remorso, arrependimento, superação e, finalmente, aceitação.
Esta crítica não tem spoiler, mas precisamos dizer que o final de Sandman é o mesmo de Shakespeare: um indivíduo-ilha marcado para sempre na história por pagar o preço de seu destino formidável na jornada do ser humano com o custo de sua solidão e penitência por partir os corações mais valiosos de suas vidas.
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As escolhas, os equívocos, os acertos, as correções e o amadurecimento do Mestre dos Sonhos é tão difícil de resumir quanto toda a vida de uma pessoa. E a genialidade dos quadrinhos originais vem de uma combinação de várias mitologias com uma conspiração construída por vários personagens que executam um plano infalível, que, no final das contas, também teve a contribuição do próprio Morpheus.
Por que Estação das Brumas é tão difícil de ser adaptada?
Estação das Brumas foi publicada entre 1990 e 1991, entre as edições 21 e 28. Até então, os leitores só tinham acompanhado o retorno de Sandman depois das décadas que ele foi aprisionado, em Prelúdios e Noturnos, que coleciona sete edições.
Nos 20 números anteriores, Gaiman introduziu vários contos em edições fora de arcos, como se fossem apenas acontecimentos casuais envolvendo a mitologia criada em torno dos Perpétuos. Acontece que é justamente em Estação das Brumas que essas histórias começam a fazer mais sentido. E mais: elas é que estruturam os pilares que servirão como base para os arquitetos da maldade contra Sandman.
Loki, Nuala, Lúcifer, Rose Walker, Lyta e Hector Hall, as Fúrias e outros personagens são meticulosamente posicionados no desenvolvimento de um plano que explora a violação de regras universais cometidas por Morpheus, que sabia o custo de suas decisões.

E, assim como acontece na vida real, Sandman sabia que nunca seria compreendido pelos atos que cometeu. Ainda assim, suas ações autodestrutivas mais sóbrias foram realizadas com a total ciência sobre o preço da paz que Morpheus entendeu que era tarde demais para pagar.
A adaptação da Netflix pode ser vista como o melhor que poderia ser feito, e, embora tenha diluído muita coisa do significado original, Estação das Brumas no streaming conseguiu ser digna por conta de alguns momentos célebres que não estavam no mesmo arco das revistas.
Ok, do que se trata Estação das Brumas?
Em um certo dia, Destino, o mais velho dos Perpétuos que é acorrentado ao livro que contém toda a história do universo, convoca seus irmãos para uma reunião que não acontecia há séculos. Inicialmente, ninguém sabe exatamente o objetivo dessa imprudente festinha familiar cheio de tretinhas.
Contudo, depois de sabermos que um dos irmãos abandonou a família, Desejo, a rival familiar do Sonho, provoca Morpheus até tirá-lo do sério por conta do maior vacilo que ele cometeu: o aprisionamento de Nada, a única mortal que ele um dia amou, a milhares de anos no Inferno só porque a moça o rejeita e estilhaça seu orgulho besta e sua autoestima feita de alface.
Sandman só mudou seu jeito babaca, chato e arrogante, depois de passar décadas sozinho preso também em suas próprias culpas e atitudes escrotas. Sua jornada de redenção e castigo só terminam com algum conforto porque Morpheus, mesmo sabendo que tudo tem muito mais a ver com sua solidão e carência do que exatamente amizade, decide aceitar seus vexames, suas punições e seu papel maior e mais generosos na história do seres humanos.

Então, todo o universo individual de dezenas de referências, tonalidades e subtextos que detalham as camadas emocionais de Sandman, muitas vezes só se revela quando os personagens se tornam mais vulneráveis.
E, nos seis episódios do Volume 1, vemos a preocupação com o público, pois, além de ter demorado quase cinco anos para a segunda temporada, uma enorme comunidade não conseguiu acompanhar as nuances do mosaico de Gaiman.
Sonho de Uma Noite de Verão
A edição 24 de Sandman, Sonho de Uma Noite de Verão, foi uma das únicas HQs a alcançar o topo do ranking de best-seller do The New York Times. É nesta história que Shakespeare entrega a primeira das peças encomendadas por Morpheus em troca de o autor cravar seu nome como o maior escritor de todos os tempos.
Como há um leilão no Inferno, Sandman recebe a visita de vários representantes de mitologias muito conhecidas, a exemplo das nórdicas. E a exemplo de toda a série há muitos simbolismos e referências, nada está ali à toa nos desenhos. Além disso, a Estação das Brumas prepara o terreno para a apresentação de vários temas envolvendo cada irmão e irmã de Morpheus.
Isso não foi adaptado com os mesmo detalhes, nem poderia; e vários momentos importantes ficam suspensos sem o destaque que têm nos quadrinhos, a exemplo da única amizade que Morpheus alimenta, com o mortal Hob Gadling; e a própria jornada de Nada no coração do Mestre dos Sonhos.
A escolha da trama de Nada e de Sonho de Uma Noite de Verão fazerem parte de Estação das Brumas de uma maneira linear diluem a noção de descoberta e de fascínio sobre as conexões aparentemente superficiais dos quadrinhos, em prol de uma narrativa mais simples — e adequada.

A parte mais sacrificada foi a de Lúcifer, que, para começo de conversa, não tem o visual e nem mesmo a personalidade do equivalente nos quadrinhos. E, assim como acontece com a série Garotos Detetives Mortos, a adaptação de Estação das Brumas perde uma oportunidade incrível de fazer o fan service ao conectar a derivada dos meninos que escapam do Inferno e a atração Lúcifer que fez sucesso na Fox, em uma história que tem conexão direta no desenvolvimento do enredo nos quadrinhos.
Vale a pena?
Sandman sempre vale a pena, mesmo que fosse adaptado da pior maneira possível. A primeira metade da segunda temporada paga o preço de oferecer uma narrativa medíocre em troca de uma linha mais amigável para os fãs da série da Netflix e aqueles que talvez nunca tenham visto a adaptação ou a obra original.
Isso não significa que é ruim, pelo contrário, é muito bom e o melhor que poderia ser feito, embora a sensação em alguns momentos seja a de você saber que a refeição original é um banquete. A adaptação também mata a fome, com direito ao tempero saboroso e alguns acepipes; mas não tem a mesma complexidade para os paladares mais exigentes.
Vamos aguardar o Volume 2 e o extra com o sensacional conto solo de Morte, que a cada 100 anos passa um dia como mortal na Terra para sempre se lembrar qual é o preço da vida.
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