Inscrição em pedra revela missão do primeiro imperador da China em busca da imortalidade
Por mais de dois milênios, uma pedra gravada permaneceu discreta às margens do lago Gyaring, a 4.300 metros de altitude no planalto tibetano, na China. Foi apenas em 2020 que o professor Hou Guangliang, da Universidade Normal de Qinghai, reconheceu sua importância: caracteres da antiga escrita chinesa xiaozhuan.
O texto mencionava uma expedição ordenada pelo imperador Qin Shi Huang (259–210 a.C.), conhecido por unificar a China. Os registros, entretanto, discutem outra de suas obsessões: a busca pelo elixir da vida eterna.
No início, a descoberta não atraiu grande atenção. O local, próximo à nascente do rio Amarelo e a mais de 1.400 quilômetros da capital imperial da época, parecia improvável para uma missão oficial do século 3 a.C. Relatos locais indicam que a inscrição já havia sido vista por pastores em 1986, mas só em 2020 foi registrada academicamente.
Ainda assim, especialistas suspeitaram que se tratasse de uma marca posterior, talvez do período Qing (século 17–19), quando também houve expedições imperiais à região.
O debate ganhou força em junho deste ano, quando o arqueólogo Tong Tao, do Instituto de Arqueologia da Academia Chinesa de Ciências Sociais, publicou os primeiros resultados sobre a inscrição.
A notícia repercutiu rapidamente, mas levantou dúvidas. Seria possível que homens da dinastia Qin, há mais de dois mil anos, tivessem chegado de carruagem a uma altitude tão extrema?
As incertezas levaram a Administração Nacional do Patrimônio Cultural da China a organizar uma equipe multidisciplinar. Pesquisadores visitaram o local duas vezes, em junho e julho, para coletar dados sobre a pedra, o ambiente ao redor e as técnicas de gravação. Também promoveram seminários com especialistas de várias áreas.
O resultado foi anunciado em setembro: a inscrição é autêntica. O texto, com 36 caracteres distribuídos em 12 linhas, registra que “o imperador ordenou que o grande mestre Yi conduzisse um grupo de alquimistas até o monte Kunlun para coletar yao”.
O termo yao pode significar ervas, minerais ou animais medicinais, mas também é usado em referência ao elixir da imortalidade. O documento ainda detalha que a comitiva chegou ao lago no terceiro mês do 37º ano de reinado de Qin Shi Huang – o equivalente a 210 a.C.
Segundo Zhao Chao, arqueólogo da Academia Chinesa de Ciências Sociais que participou da investigação, a inscrição “é o único registro conhecido da dinastia Qin que sobreviveu em seu local original”. Ele afirmou à agência de notícias estatal Xinhua que o estudo aplicou métodos sistemáticos de datação e análise mineral, inaugurando “um novo modelo para autenticação de inscrições em pedra na China”.
As análises revelaram que as incisões da gravação foram feitas com uma ferramenta de corte de lâmina reta, técnica compatível com a tecnologia da época. Amostras minerais indicaram desgaste natural acumulado por séculos, impossibilitando a hipótese de falsificação recente. O tipo de rocha, arenito quartzoso, resiste fortemente à erosão, e o microclima da região ajudou a preservar os caracteres.
Para Li Yuelin, físico do Laboratório Nacional Argonne, nos Estados Unidos, e presidente do Instituto de Caligrafia Chinesa dos Sete Mares, as marcas de ferramentas antigas foi a evidência mais decisiva.
Em entrevista ao South China Morning Post, ele ressaltou que outras análises – como a ausência de ligas metálicas modernas nos sulcos – também reforçam a autenticidade. Ainda assim, ponderou: “O fato de as evidências serem claras não significa que os céticos serão convencidos. Sempre haverá quem argumente que é falso”.
Entre os críticos está Xin Deyong, professor de história da Universidade de Pequim, que desde o início defendeu tratar-se de falsificação. Após a validação oficial, ele se manifestou nas redes sociais pedindo que o governo divulgasse integralmente o relatório técnico e a lista de especialistas envolvidos.
“Essa é uma questão acadêmica importante. A comunidade científica tem o direito de saber. Não pode ser determinada apenas pela ‘autoridade’ do governo”, escreveu no WeChat, segundo o South China Morning Post.
Apesar da controvérsia, a inscrição oferece novas pistas sobre a trajetória de Qin Shi Huang. Conhecido por unificar os estados em guerra da China, iniciar a construção da Grande Muralha e ordenar a criação do exército de terracota, o imperador também foi marcado pelo medo da morte.
Documentos da época já mencionavam expedições em busca de substâncias medicinais, incluindo uma famosa viagem ao leste, em direção ao Japão, liderada por Xu Fu com três mil jovens e artesãos. Essa, porém, é a primeira evidência direta de uma jornada rumo ao oeste.
O monte Kunlun, destino citado na pedra, era tido como um local sagrado e místico, lar da deusa Xi Wangmu, a Rainha-Mãe do Oeste, guardiã do elixir da vida eterna. A crença pode ter impulsionado o imperador a enviar emissários até a região inóspita do planalto tibetano.
O contexto histórico também dá um desfecho irônico à inscrição: o imperador faleceu alguns meses depois da inscrição, durante uma viagem de inspeção pelo norte da China. Crônicas sugerem que, em vez de alcançar a vida eterna, Qin Shi Huang pode ter abreviado sua existência ao consumir poções contendo mercúrio, acreditando que prolongariam sua vitalidade.
Para Hou Guangliang, que primeiro registrou a inscrição em 2020, a importância do achado vai além da busca pela imortalidade. “A inscrição mostra que, já na dinastia Qin, pessoas se aventuravam a explorar o planalto tibetano, um ambiente hostil e pouco povoado”, disse à Xinhua.
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