Romanos usavam fóssil de animal extinto há 250 milhões de anos como joia
Um fóssil de trilobita, animal marinho extinto há cerca de 250 milhões de anos, foi encontrado durante escavações em um antigo assentamento romano no noroeste da Espanha. A peça, com cerca de quatro centímetros, chamou a atenção dos arqueólogos por um motivo inusitado: além de bem preservada, apresenta marcas claras de desgaste artificial, indicando que teria sido transformada em joia ou amuleto entre os séculos 1 d.C. e 3 d.C.
A descoberta foi feita na Galícia e acaba de ser descrita por pesquisadores da Universidade de Vigo e do Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC) em um artigo publicado na revista Archaeological and Anthropological Sciences.
Trata-se do primeiro registro conhecido de uma trilobita modificada em um contexto arqueológico romano. No mundo todo, só há outros dez casos de trilobitas associadas a culturas antigas, e apenas três com indícios claros de uso humano intencional.
Durante o Alto Império Romano (de 27 a.C. a 284 d.C.), a região fazia parte da província da Gallaecia e abrigava um núcleo urbano estruturado, com casas de alto padrão, ruas pavimentadas e atividades metalúrgicas. A trilobita foi localizada em um depósito de lixo doméstico junto a cerâmicas, moedas, vidros e ossos de animais.
O fóssil pertence ao gênero Colpocoryphe, típico do período Ordoviciano (485 milhões e 443 milhões de anos atrás), quando a maior parte da vida ainda se concentrava nos oceanos. Preserva parte do tórax e da extremidade posterior do animal.
O mais relevante, no entanto, é a presença de sete áreas distintas de desgaste abrasivo em sua face inferior, provavelmente feitas com ferramenta de ferro.
De acordo com o artigo, os vestígios “indicam um esforço humano para suavizar suas bordas e tornar o fóssil funcional como elemento de adorno”, sem afetar a superfície superior, que permanece bem conservada. Para os pesquisadores, trata-se de uma adaptação pensada para criar um encaixe em metal ou couro, como pingente ou pulseira, deixando à mostra o formato segmentado da carapaça.
Outro dado relevante é que essa trilobita não é nativa da Galícia. A coloração avermelhada e o tipo de mineralização sugerem que ela se originou em depósitos do centro-sul da Península Ibérica, especialmente nas regiões espanholas de Toledo, Ciudad Real ou Badajoz – mais de 430 quilômetros ao sul.
Os autores sugerem que a peça pode ter sido transportada pelas rotas comerciais romanas, em especial pela Via da Prata, que conectava Mérida (antiga capital da Lusitânia) a Astorga (centro romano no noroeste da Península Ibérica).
“O fóssil pode ter viajado com metais e outros bens como um objeto único e exclusivo, valorizado na Gallaecia por suas propriedades protetoras e curativas”, escrevem os autores. Outra hipótese considerada é a de que alguém da Lusitânia o tenha trazido, atraído pela riqueza mineral da região.
Na Antiguidade, fósseis eram frequentemente interpretados como objetos mágicos. Entre os romanos, ossos de grandes animais, como mamutes, podiam ser associados a gigantes ou heróis mitológicos. Já fósseis menores, como os de trilobitas, eram vistos como talismãs contra forças sobrenaturais. O imperador Augusto, por exemplo, mantinha uma coleção de fósseis em sua vila na ilha de Capri.
O artigo propõe duas possibilidades principais de uso para o fóssil de Armea: como adorno pessoal ou como objeto cerimonial em um lararium, altar doméstico comum em casas romanas. O local da descoberta fica a apenas 1,5 metro de uma inscrição epigráfica com o nome “MAXSIMVS”, possivelmente associada a um espaço sagrado em uma residência de elite.
A descoberta também se insere em uma tradição muito mais ampla. Fósseis de trilobitas já foram utilizados como pingentes no Paleolítico Superior, como o caso de um exemplar perfurado encontrado na França com cerca de 14 mil anos.
Também há registros de seu uso como amuleto em cemitérios medievais da Estônia, na medicina tradicional chinesa (onde eram chamados de “vermes de pedra”) e entre povos indígenas da América do Norte e da Austrália. Nenhum outro, porém, havia sido até agora associado diretamente ao mundo romano com evidências concretas de modificação.
O estudo ainda levanta a hipótese de que a aparência segmentada das trilobitas tenha influenciado o design de uma joia romana conhecida como Trilobitenperlen, que consiste em contas de vidro preto usadas principalmente por mulheres e crianças.
Embora nenhuma dessas contas tenha sido encontrada em Armea, sua semelhança visual com a carapaça da trilobita sugere uma inspiração possível. Os autores acreditam que os artesãos procuravam reproduzir as partes do tórax do animal original, transferindo à peça produzida o mesmo caráter protetor.
Em algum momento, o objeto perdeu seu valor simbólico ou sua estrutura de fixação se quebrou. O metal ou couro que o envolvia pode ter sido reaproveitado, e o fóssil acabou sendo descartado junto com o lixo doméstico. Foi nesse contexto que ele permaneceu preservado por quase dois mil anos até ser redescoberto pelos arqueólogos.
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