História de novela: PlayStation nasceu da traição da Nintendo à Sony
Os anos 1980 foram muito importantes para toda a indústria gaming, seja pelo surgimento de diversos gêneros de jogos e de estúdios — com muitos começando a ganhar destaque a partir desta época. Porém, uma fabricante se destacou das demais e deu início a uma nova era nos games: a Nintendo.
- 30 anos de PlayStation: qual é o melhor console?
- Quanto custaria um PlayStation 1 hoje, com a inflação?
Com o NES lançado em 1985, o Game Boy em 1989 e o Super Nintendo chegando no ano de 1990, seu reinado era absoluto dentro do mercado. Não apenas por jogos como Super Mario, The Legend of Zelda e Kirby, mas por finalmente popularizar o que víamos nos fliperamas dentro das nossas casas. Um feito muito grande, diga-se de passagem.
A SEGA se esforçava bastante para alcançá-la, muitas vezes até conseguindo abalar suas estruturas. O Mega Drive, por exemplo, gerou uma intensa guerra de consoles contra o SNES e foi responsável por manter a rivalidade (nada saudável) contra a gigantesca companhia.
–
Entre no Canal do WhatsApp do Canaltech e fique por dentro das últimas notícias sobre tecnologia, lançamentos, dicas e tutoriais incríveis.
–
Ainda que eles tivessem uma disputa acirrada, era a Big N quem ditava as regras. Todas as principais inovações no mercado partiam dela, com as demais acompanhando seus passos. Isso pode tê-los mantido na dianteira, mas há sempre um limite e eles alcançaram um ponto no qual precisavam de algo maior para seguir adiante. E isso ela não poderia fazer sozinha.

Enquanto isso, a Sony sempre foi uma gigante no mercado de áudio e vídeo, com vários dispositivos para alimentar os consumidores que desejavam ver filmes ou ouvir suas músicas com qualidade. Nos anos 1980, ela já tinha tradição e um vasto legado (a companhia foi fundada no Japão em 1946, para ter uma ideia), algo que causava uma boa impressão em toda a indústria.
Tanto a Nintendo quanto a Sony já exerciam grande domínio em suas próprias áreas. Porém, elas queriam evoluir e, juntas, tinham mais chances de criar algo único. E formou-se uma parceria traiçoeira, responsável por mudar para sempre toda a indústria gaming e mover cada uma para uma direção bem diferente daquela que uniu as duas.
Parceria entre Nintendo e Sony
O elemento-chave para dar o primeiro passo nesta parceria entre as duas companhias foi Ken Kutaragi, um engenheiro da Sony que ajudou a desenvolver o chip de som utilizado no Super Nintendo. A produção do SPC700 aproximou-as, levando à um time de desenvolvimento que buscava novas soluções de mercado para que ambas crescessem.

O próprio Kutaragi estava à frente disso, com sua grande expertise e ideias para um próximo passo. É importante levar em consideração que ele fazia parte do time que criou os displays LCDs e as câmeras digitais — que revolucionaram o mercado e se tornaram produtos de grande sucesso em suas respectivas áreas.
O nome era o certo, mas os executivos da Sony continuavam temerosos sobre uma parceria mais profunda com a Nintendo. Lembra daquele antigo pensamento de que “videogame são brinquedos”? Era exatamente esta a linha de pensamento daquela época e se tinha algo que a companhia não queria se envolver muito era neste nicho.
Mesmo com esta influência, isso não impediu Ken Kutaragi e a Nintendo de continuarem trabalhando juntas para inovar a indústria gaming. E depois de reuniões, projetos descartados e muita deliberação, surgiu em 1988 a ideia que mudaria a história das duas para todo o sempre: O SNES-CD.
Ele seria um Super Nintendo capaz de rodar seus cartuchos, mas chegaria ao mercado acompanhado de um leitor de disco — o que permitiria a reprodução de jogos produzidos para este formato, algo que a Sony via com bons olhos (já que ela que produzia as mídias). Porém, isso também desbloquearia muitas melhorias para o console lançado pouco tempo depois.
Podemos resumir algumas delas como um espaço maior de armazenamento, possibilidade do SNES-CD rodar cenas em vídeo (Full-Motion Video, também conhecidas como as famosas cutscenes) e um áudio de maior qualidade para os games. Isso sem falar na possibilidade de utilizar o console para reproduzir outras mídias, como CDs de música.
Ainda que a Nintendo tenha aprovado que o projeto seguisse em frente, eles estavam muito céticos sobre o desempenho que ele teria. A maior preocupação era sobre o tempo de carregamento mais lento que os CDs teriam, em comparação ao que já viam nos cartuchos — considerada uma mídia mais confiável pela companhia. Não é à toa que eles sequer esperaram a sua conclusão para disponibilizar o SNES no mercado.

Outro grande problema que elas enfrentaram neste relacionamento é que a Sony queria o controle completo do formato “Super Disc” e do licenciamento de software. Isso sem contar que todo conteúdo de música e vídeo para a plataforma teriam de ser produzidos exclusivamente por eles (o que impediria acordos comerciais com outras grandes produtoras e estúdios).
Seria como se a Nintendo entregasse, de mãos beijadas, todos os direitos de jogos de Mario, The Legend of Zelda, F-Zero e outros que fossem produzidos para o CD para a sua “parceira”. Quem conhece a Big N sabe que isso não era sequer cogitado pela sua “alta cúpula”. Inclusive, relatos apontam que o presidente da companhia na época — Hiroshi Yamauchi — achava que os termos eram inaceitáveis.
Traição em público: o dia que mudou a indústria
E assim, caros leitores, o palco para o clímax dessa novela japonesa estava completamente armado. Sony, que não queria nem entrar no mercado de games, estava “emocionada” demais com os seus termos. Já a Nintendo, que seria a maior interessada, não concordava com a posição da sua colega sobre o que ficaria nas mãos de cada uma.
Assim, chegamos na Consumer Electronics Show (CES) em 1991. Entre a chegada dos primeiros computadores com CD-ROM e a entrada de companhias como Toshiba e Compaq no mercado de notebooks, vimos a Sony subir ao palco para apresentar o seu Play Station. No console multimídia, você poderia jogar, ouvir músicas, ver vídeos e fazer outras atividades, ressaltando a participação da Nintendo no projeto.
Seria um anúncio maravilhoso se a Nintendo, no dia seguinte, não tivesse realizado a maior traição de toda a história dos videogames. Após a revelação da Sony, eles subiram no palco da CES 1991 para anunciar a sua parceria com a Philips para produzir um console com leitor de CD (o infame CD-I). Ou seja, eles abandonaram a Sony “ao vivo e a cores” e revelaram um acordo com a sua principal concorrente — bem desleal, vale dizer.
Caso não tenha conhecimento, nós resumimos: a Sony e a Philips eram grandes rivais, mas trabalharam juntas para criar o formato de CD. Isso fazia delas as maiores precursoras desta tecnologia, algo que era absolutamente grandioso nos anos 1990. Qualquer produtora ou estúdio que quisesse gravar algo, teria de pedir autorização para uma das duas e isso as mantinha na dianteira.
Você consegue imaginar qual foi a reação da Sony ao saber que estava com a Nintendo nas suas mãos, iam disparar na frente com um novo videogame e ela escapou por seus dedos para chegar nas garras da Philips? Isso ultrapassa o conceito de humilhação pública, já que no dia anterior eles ainda acreditavam fielmente que esse laço estava forte e muito bem amarrado.

Havia até protótipos do “Nintendo PlayStation”, quais alguns desenvolvedores e executivos afirmam terem visto e jogado nos anos 1990. Isso gerou uma fúria sem precedentes na Sony, que não perdeu apenas o chão, mas toda e qualquer sustentação que poderia sonhar em ter naquele momento. Virou piada pública, a “traída” e “emocionada” de um relacionamento furado.
A vingança de Kutaragi
Se os executivos da Sony estavam furiosos, imagine Ken Kutaragi? Ele investiu nessa parceria desde o começo com ideias e desenvolvimento dos projetos, carregando a maior esperança de que seus esforços impulsionassem a indústria gaming e as duas companhias. Mas tudo foi para o brejo.
Se a empresa sentiu o impacto, ele estava desolado. Porém, não caído. Quando soube que a Sony ia descartar todo o projeto e abandonar os esforços de se aventurar neste mercado dos games, Kutaragi subiu até o último andar da companhia e bateu na porta do presidente, Norio Ohga.
Em uma extensa argumentação, ele convenceu Ohga a não abrir mão de todo o trabalho que realizaram. Para Kutaragi, era a oportunidade perfeita de contra-atacar e da melhor forma possível: assumindo o projeto deles para lançar seu próprio videogame — sem o apoio da Nintendo ou qualquer outra fabricante.
A ideia era remoer a traição e usá-la como combustível para darem vida a um dispositivo que competisse diretamente contra o Super Nintendo ou qualquer outro videogame que a “traidora” produzisse. A equipe de Kutaragi tinha todo o projeto, só bastava a Sony permitir que eles enfrentassem esta dor de frente e, se fosse para cair, cairiam lutando.
A partir daí, Ohga deu a sua permissão para que a divisão Sony Computer Entertainment (SCE) fosse criada, com Kutaragi na sua liderança e com o propósito de dar vida ao Play Station. Afinal de contas, em termos de negócios, a Nintendo não poderia sair daquela história sem levar qualquer tipo de impacto também. A única certeza é de que isso seria sentido.
O nascimento do PlayStation
A Sony sabia que não bastava apenas disparar um produto no mercado e esperar que ele fizesse um sucesso instantâneo. Enquanto Kutaragi trabalhava em reformular o projeto, criando a sua própria obra-prima de hardware com foco total, outros setores da Sony Computer Entertainment levaram o mote “vingança à Nintendo” a sério demais.
A principal ação dela era buscar estúdios third-parties que estavam insatisfeitos com o modelo de negócios da Big N no mercado. Ainda que a SEGA continuasse grande, todas as companhias tinham conhecimento de que seus títulos brilhariam mais se fossem lançados no SNES nos anos 1990.

Para isso, você deve compreender como funcionava a política da Nintendo naquela época. Primeiro, a fabricante tinha o controle total da produção de cartuchos: ou seja, estúdios como a Capcom e a Konami não podiam criar as fitas do zero e vendê-las. Elas eram obrigadas a comprar os chips dos cartuchos diretamente com a Big N.
E essa aquisição não era coisa pouca, elas também eram obrigadas a fazer um pagamento adiantado e tinha um lote mínimo estipulado pela fabricante. Ou seja, se eles quisessem produzir 10 mil unidades e a Nintendo apontasse que o mínimo era de 50 mil, eles que se virassem para arrumar dinheiro para lançar isso — pois a outra opção era não lançar nada.
Cada fita custava cerca de US$ 10 a US$ 15, então fazendo um cálculo simples, um jogo nas lojas podia custar US$ 750 mil (se fossem 50 mil unidades, por exemplo). Se hoje isso já é muita grana, você consegue imaginar o peso que estes valores tinham nos anos 1990? Era caro demais.
A Nintendo ficava com o lucro antes sequer do jogo lançar, ou seja, se ele fosse um fracasso comercial o estúdio perderia o dinheiro e ficaria com os cartuchos encalhados. Isso sem falar do Selo de Qualidade Nintendo (que podia censurar conteúdo) e no limite de até cinco lançamentos por ano para cada desenvolvedora. Eram regras demais, garantia de sucesso de menos.

A Sony usava sua força de mercado para atrair quem estivesse descontente com este cenário, mostrando vários benefícios caso seguissem com o seu console (já que eles tinham lucro vindo de outras frentes, ao contrário da Nintendo que só fabricava videogame e jogos). E não eram peixes pequenos insatisfeitos, mas sim desenvolvedores como SquareSoft e Namco.
Isso sem contar a promessa de que o futuro PlayStation (agora escrito tudo junto) seria o primeiro videogame a rodar jogos com gráficos 3D, o que era visto como o futuro da tecnologia nos tempos ancestrais — onde viviam os incas e os maias. O resultado disso foi a história tomando um rumo completamente inédito e diferente daquilo que as estimativas alcançavam.
Em dezembro de 1994 (quase 4 anos depois da tragédia na CES 1991), o PlayStation chegou ao mercado com títulos como Ridge Racer, Tekken, Rayman e vários outros. Nos anos seguintes, vimos franquias como Twisted Metal, Tomb Raider e Crash Bandicoot surgindo, o que atrairia milhões de fãs que acompanham as suas histórias até os dias atuais.
Porém, nenhuma facada doeu tanto na Nintendo quanto a traição da SquareSoft. Se a franquia Final Fantasy teve no NES o seu primeiro lar, com ideias ainda mais amplas no SNES, ela migrou para o PlayStation com o icônico Final Fantasy VII em 1997. Considerado por muitos como um dos maiores RPGs de toda uma geração, essa exclusividade para a plataforma rival causou a dor que a Sony queria provocar no seu algoz.
Entre os grandes sucessos, também tivemos Castlevania: Symphony of the Night, Digimon World (que competia diretamente contra Pokémon), Tony Hawk’s Pro Skater, Metal Gear Solid, Suikoden e diversos outros que marcaram muitos jogadores ao longo dos anos. Isso não causou um impacto apenas na Nintendo, mas a SEGA também sofreu bastante para alcançar a sua nova concorrente — o que provocou o início de sua queda.
O erro de milhões da Nintendo
Fica claro que a Nintendo queria proteger as suas propriedades intelectuais e não ser engolida pela Sony, mas ao invés de resolver isso de forma responsável, decidiram trair o acordo publicamente e com uma das maiores concorrentes que a companhia tinha no mercado de CDs.

Alianças comerciais se fazem e se desfazem o tempo todo, mas expor da forma como ela fez provocou uma reação em cadeia gigante — uma que foi a responsável por mudar todo o rumo da história dos videogames. Não apenas por colocar ela no mercado como rival, mas por popularizar jogos 3D, o CD como principal mídia por muitos anos e ampliando a base de jogadores para o público adulto.
O que a Nintendo ganhou com isso? Absolutamente nada, pois o acordo com a Philips também envolvia as suas propriedades intelectuais e tivemos o desprazer de viver em uma realidade em que Hotel Mario, Zelda’s Adventure, Link: The Faces of Evil e Zelda: The Wand of Gamelon (sugestivo, para dizer o mínimo) coexistem com aventuras clássicas. Isso sem mencionar que o CD-I passou bem longe de ser um sucesso comercial.
Enquanto isso, a Sony tomou proporções ainda maiores na indústria gaming. O PS1 era considerado um sucesso, mas seu PS2 foi além e se tornou o videogame mais vendido de toda a história — alcançando 160 milhões de unidades vendidas, não superada por qualquer outro até os dias atuais. Não é à toa que chegamos ao PS5 e um PS6 já é garantido.
A traição da Nintendo trouxe um colosso para a indústria gaming, o que levou o PlayStation a ser um sucesso estrondoso e um verdadeiro titã para a concorrência encarar. Desde então, este mercado nunca mais foi o mesmo e quem ganhou esta disputa somos nós, os jogadores — que temos mais opções e títulos extremamente criativos para nos divertir.
Leia também no Canaltech:
-
6 decisões mais polêmicas da história da Nintendo
- Você sabe qual é o plano de negócio da Nintendo? Conheça o Oceano Azul
- Mega Drive ou Super Nintendo: qual foi mais popular no Brasil nos anos 1990?
Leia a matéria no Canaltech.
O que achou dessa notícia? Deixe um comentário abaixo e/ou compartilhe em suas redes sociais. Assim conseguiremos informar mais pessoas sobre as curiosidades do mundo!
Esta notícia foi originalmente publicada em:
Fonte original